Verbete realizado pelo Grupo Scripto

Junho, 2003

 

 



Adelia Prado


Textos:


Objeto de Amar

                De tal ordem é e tão precioso
                o que devo dizer-lhes
                que não posso guardá-lo
                sem que me oprima a sensação de um roubo:
                cu é lindo!

                Fazei o que puderdes com esta dádiva.
                Quanto a mim dou graças
                pelo que agora sei
                e, mais que perdôo, eu amo.

   (Adélia Prado)
 
Neurolingüistíca
    Adélia Prado

Quando ele me disse
ô linda,
pareces uma rainha,
fui ao cúmice do ápice
mas segurei meu desmaio.
Aos sessenta anos de idade,
vinte de casta viuvez,
quero estar bem acordada,
caso ele fale outra vez.

Do livro: "Oráculos de Maio", Editora Siciliano,1999
 

Dona Doida
Adélia Prado


Uma vez, quando eu era menina, choveu grosso
com trovoadas e clarões, exatamente como chove agora.
Quando se pôde abrir as janelas,
as poças tremiam com os últimos pingos.
Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um poema,
decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos.
Fui buscar os chuchus e estou voltando agora,
trinta anos depois. Não encontrei minha mãe.
A mulher que me abriu a porta, riu de dona tão velha,
com sombrinha infantil e coxas à mostra.
Meus filhos me repudiaram envergonhados,
meu marido ficou triste até a morte,
eu fiquei doida no encalço.
Só melhoro quando chove.


Extraído do livro "Poesia Reunida",
Editora Siciliano - 1991, São Paulo, página 108.