Anália Franco |
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Textos:
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A nossa apatia
mental
Ainda
não faz muito tempo que li um livro sobre os nossos costumes
no qual o seu autor, numa linguagem clara e imaginosa, expunha,
com toda a sua dolorosa nudez, certas verdades amargas que me
impressionaram profundamente e me foram diretas ao coração,
por corresponderem a esse peso que me punge, ao reconhecer a nossa
falta de gosto, a nossa preguiça mental para todas as elucubrações
do espírito. [...] fizeram-me pensar um pouco nos meios
de despertar nossas patrícias dessa preguiça mental
que as caracteriza em razão da educação que,
por desgraça nossa, ainda continua a ser administrada.
Entre as múltiplas dificuldades que encontramos em nossa
missão educadora, uma delas é a escolha de leituras
amenas e agradáveis, que formem o gosto das nossas alunas
e as distraiam sem as inquietar. A nossa indiferença sistemática
para tudo quanto seja questões de letras ou de artes, tem
abafado os raros talentos femininos que se animaram a afrontar
a barreira tenaz dos nossos preconceitos tradicionais, de modo
que é ainda paupérrima a nossa literatura.
Geralmente
os mestres da moderna escola, que nos podiam guiar na senda do
bem, amenizando e romanceando os mais rápidos assuntos,
só se ocupam em pintar de preferência o que há
de mais baixo, de mais triste e desconsolador na Humanidade. Esquecem-se
de que é para a mocidade que escrevem, visto que, quase
no geral, é ainda só a gente moça quem lê
romances. Não podemos deixar de imputar à literatura,
cuja influência sobre os costumes é ainda mais ou
menos forte, uma grande parte da incerteza e perturbação
lançada no pensamento de que proveio a hesitação
no cumprimento do dever e, para muitos, o aniquilamento de toda
esperança.
E efetivamente
essas leituras que todos os anos se publicam na França
e Inglaterra aos milhares, e cujas traduções inundam
o mundo inteiro, e que matam na alma juvenil a crença sublime
de todo o ideal e de todo o grande e generoso amor, deixando-a
numa espécie de marasmo intelectual que a esteriliza ou
num revoltante cinismo que a corresponde. É por isso que
a maior parte de nossa sociedade, mal preparada pela sua educação
religiosa, por falta de espírito de livre exame para tudo
que exige a ordem, a previdência, o discernimento e a perseverança
ao trabalho, vai-se tornando cada vez menos apta para as coisas
sérias e profundas. As tendências são de ordinário
frívolas e por isso os gostos sérios se fazem raros.
[...] Como um antídoto contra a literatura dissolvente
de nossos dias, resolvi a publicação de um romance
sobre os nossos costumes que se acha no prelo, cujo título
é A filha do artista, no qual procuro romancear os exemplos
da virtude e das verdades consoladoras; e, ultimamente, vai ser
publicado no Álbum das Meninas, A Égide Materna.
É muito provável que, pela idéia diferente
que faço da Arte, esses dois romances só mereçam
muito desdém e muita blague. Consola-me, porém,
a idéia de que servirão, ao menos, de protesto contra
a ação dissolvente e desmoralizadora da escola realista.
Nesta
era de transformações e de incerta claridade, é
bom que uma voz se erga e diga bem alto — que a paixão
só é criminosa, quando mal dirigida, que o excesso
do sentimento só é ridículo, quando mal aplicado,
que a abnegação inteira e absoluta tem gozos superiores
a todos os gozos da matéria e que as almas boas e as almas
grandes descobriram uma linguagem misteriosa, na qual falam com
Deus.
Não
basta descrever minuciosamente com uma perversão de gosto,
deveras deplorável, tudo que há de mau, grotesco
ou vicioso na criação; não basta ter em si
tão acentuada preocupação horrível,
que se deseje ver com o microscópio do naturalista, para
bem lhe distinguir os defeitos, as anfractuosidades, as máculas,
os vermes, de tudo que, à simples vista, seria harmonioso
e belo. Aquele a quem se roubam todas as ilusões salutares,
cumpre apontar para algum bem que ainda lhe ficará na terra,
bem verdadeiro que o compense de todas as suas perdidas alegrias
mentirosas! Não basta negar, é necessário
afirmar com convicção robusta; não basta
demolir, é preciso ao lado dos edifícios que se
derrubam e desmoronam construir novos edifícios mais ricos
e mais seguros.
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