Verbete organizado
por:

Luísa Cristina dos Santos

 



An
ita Philipovsky

 

Textos:

Os poentes da minha terra*

 

A Stefan Kujavski

( Stefan, não sei onde te achas atualmente.

Mas tenho a esperança de que possas ler

estes versos que fiz pensando no teu fino

espírito, que tanto aprecia tudo o que de

belo nos oferece a Natureza! )

 

Os poentes da minha terra                                 

São belos,

Tão belos,

Mas tão belos

Como ninguém viu fora daqui.                              

Uns são roxos . . . outros amarelos . . .

Outros de bronze com pedrinhas de rubi . . .

E os cor de opala, então ?

Lembram a palheta de algum pintor flamengo

As nuanças leves de um pôr-de-sol assim.               

E os de seda cor-de-rosa ?

E os poentes de verão ?

Às vezes o poente de verão

É todinho borrado de carmim.

 

Há os de nuvens frágeis, esgarçadas.

Tocadas de luz desfalecente.

E a essas nuvens leves,

E luz desfalecente,

A gente olha e pensa . . .

Fica pensando que o ocidente sonha

Sonhos de renda, de gaze e nostalgia,

Sonha saudades para magoar a gente.

 

Patéticos . . . Uma rima de saudade,

Um verso do poema – nostalgia . . .

Tonalidades de exótica poesia,

De poesia apenas pressentida

Através do tempo e através do espaço. . .

Patéticos. Legendários. Quase irreais . . .

Estes poentes às vezes são assim.

Neles canta, e numa voz que ninguém ouve,

Um noturno . . .

Canta inaudível a alma de Chopin.

 

Sentimentais . . . muito sentimentais,

Estes poentes às vezes são assim.

E às vezes . . ah! são exaltados !

De cariz violento. Rubros ! De tragédia !

Esbraseados . . .

São chamas ! . . .

Vede então – o ocaso pegou fogo !

Há um grande incêndio onde termina o céu.

E logo mais:

Feitos de chumbo, azinhavre e de zarcão,

Com faíscas medrosas de safira.

E nesses dias,

Que colorido onde entra o Sol!

 

Que cores fortes !

E do contraste agressivo dessas tintas,

Furiosas e terríveis,

O Sol se esquiva: o Sol vai fugindo,

O Sol se escapa como quem delira.

Poentes extravagantes !

Poentes indescritíveis !

Até parece que o céu enloqueceu.

 

Agora vede:

Negro e de sangue . . . de tragédia, um dia,

E outro dia,

Um pôr-de-sol suave e dolente,

Que a alma da gente veste de cisma,

E que veste de cisma a alma da gente.

 

Poentes extravagantes !

Poentes indescritíveis !

 

Sobre a magia desses coloridos

Expressou-se arrebatado certa vez

Um espírito vibrante de estesia.

Era sem saber que o era – um poeta.

Mas falou:

“Nesta terra é assim:

Quando termina o dia,

U’a mão invisível, misteriosa,

Pinta onde acaba o céu,

E com as tintas que quer,

Pinta tudo o que há de emocionante,

Na essência emocionante da poesia.”

 

Assim expressou-se embevecida, um dia,

Uma alma vibrante de estesia.

 

E o poente de hoje, não vistes ?

Foi imponente. Foi egrégio.

O rei dos astros quando foi-se embora.

Deixou no céu o lindo manto seu .

Era de púrpura, que eu sei,

Com franjas de ouro, e bordados de ouro,

Mesmo um manto de rei.

Portanto esse presente foi um presente régio.

Afinal Ponta Grossa pode usar,

Como usa, e muitas vezes usa,

Na hora crepuscular,

O ouro e as púrpuras das galas reais.

Porque – quem não sabe da sua nobreza ? –

Ela é princesa.

É soberana.

E os seus domínios ?

É toda a terra dos Campos Gerais.

E por isso ela tem a regalia

De usar a púrpura das galas reais.

 

Estes ocasos . . .

Cada um tem sua beleza peculiar, eu acho.

Os outros . . . não sei que pensam, nem o que dirão.

Mas para mim o pôr-do-sol mais sugestivo

E emotivo,

É o pôr-do-sol lilás.

Quando faz fundo para uma paisagem campesina,

É de tão grande beleza,

E de tristeza tal,

Que a impressão que causa, não há quem a defina,

 

Na lomba da coxilha há um pinheiro isolado,

Forte e dorido na sua solidão.

Altivo. Sobranceiro. Algo de audaz . . .

Esse pinheiro sobranceiro,

O vento embate-o. Ele resiste.

Luta com o elemento hostil, ele sozinho,

Deslembrado na verde imensidão

Do campo sem fim.

Na lomba da coxilha há um pinheiro isolado . . .

E por detrás,

Muito atrás 

Da curva da coxilha,

O céu a agonizar em cor lilás.

Só lilás ?

Não. Bem pertinho do horizonte,

Há uns fiapinhos de nuvens enxofradas,

Cloróticas. Agoniadas.

Parecem doentes essas nuvens fininhas.

Isto bem pertinho do horizonte.

O mais é só amaranto. É só lilás.

É tarde. É o fim de um dia que não teve sol.

A gente olha isso tudo, e fica olhando.

Fica cismando em tanta coisa . . .

A dor da ausência fica doendo mais.

Um fim de tarde assim,

Como faz sentir !

Como faz pensar !

Faz pensar nas almas incompreendidas,

Esmagadas de incerteza e de pesar,

Essa árvore sozinha, tão sozinha !

E o céu a agonizar clorótico e lilás.

Mais uma nota triste, nesse quadro:

Lá longe há um aterro.

E nesse aterro,

Um cavalo sacoleja um cincerro.

A gente olha ainda:

O dia se desfaz

Doente e lilás

O campo é triste !

O pinheiro é triste !

[ O cincerro é triste ! ]

Meu Deus onde vai parar essa tristeza ?

E essa beleza ?

Ouvi ! Andam soluços soluçando no ar . . .

A gente olha, e tem vontade de chorar.

 

Minha terra tem cada poente !

É um dom que igual, nenhuma terra tem.

Muitas vezes ao findar do dia,

Na horinha em que vai baixando o Sol

Entre nuvens leves como véu,

É só ver:

Aperta o coração da gente, uma saudade !

Uma saudade diferente . . . não sei como,

Não é saudade de nada desta vida.

É coisa incompreendida

Talvez seja a nostalgia indefinida

 

Que a gente tem do céu.

Poentes da minha terra !

Quando longe de vós, para vós é a minha saudade. . .

Poentes da minha terra, que fazeis pensar !

Poentes da minha terra, que fazeis sonhar !

Poentes da minha terra, que fazeis chorar !

 

                                      Ponta Grossa – Janeiro de 1936.