Verbete organizado
por:

Constância Lima Duarte e Diva Cunha

 



Cordélia Sylvia


Textos:


Contemplações

Corre além murmuroso o rio prateado

— Larga faixa a adornar a veste nupcial

Veludosa e grácil, de pérolas ornado,

Da natureza em festa, alegre e triunfal.

Que beleza sem fim, que graça magistral!

No canto harmonioso, uníssono e afinado

Do passaredo exul que ao sol, maravilhado,

Envia a saudação mais bela e genial.

E eu que também desperto, oh grande natureza,

Em ti ajoelhada, um templo de beleza,

Elevo ao céu azul a minha prece ardente...

— Que as transforme o bom Deus no orvalho abençoado

De sua imensa graça em bálsamo sagrado,

Trazendo intenso alívio ao coração doente!

(A Estrela, Aracaty (CE), 1903)

 

A Serenata

Misteriosa noite! ...O plenilúnio, perto do ocidente, derrama sobre a terra semi-escura seus raios de luz amortecida, num misticismo de poesia que convida a alma às mais plangentes e dolorosas cismas.

Tem, então, todos os seres na natureza linguagem de conforto para o coração órfão de carícias, mendigo de afetos! Melíflua serenata monocórdica, ao longe, o "Pranto das Estrelas"... São os últimos acordes dessa harmonia celeste que vão morrer além, expirando lentamente como um íntimo suspiro! Despertando dum sonho feliz procuro ouvir atenciosa essa melodia sublime a perscrutar-lhe intimamente os dulçurosos mistérios, quando alguém, cuja voz sonora se desprende num afetuoso canto umas estrofes dolentes, repletas de meiguice e de saudade ...

E minha alma desalenta, traduz os seus sentimentos recitando fervorosa — qual uma prece sentida, estes versinhos tristes:

— Oh! são doces para vós esses instantes.

Não me acordeis saudades lacerantes;

Gozar não posso essa ventura grata,

Pois sofre tanto o coração descrente...

Onde vêm vibrar plangentemente

Os acordes finais da serenata! ...

(A União, Ceará-Mirim, 25/ 07/ 1909)