Verbete organizado
por:

Constância Lima Duarte

 



Iracema Macedo


Textos:


A víbora doidinha neste recinto

Vê como se apressa a pequena víbora

como se afoita nas brechas

e fria se rende ao cálio buraco?

Ou então, meu deus, atrás dos quadros

atrás das velhas mães emolduradas

no verso das paisagens penduradas

Percebe como a víbora se aquece?

Quanto me quis

por tantas horas

raiz viva da víbora ligeira

o supremo princípio dessa avidez esquecida

e a sutil chama fria a transgredir as paredes

E assim cinzamente alvoraçada

passar por aqui num ímpeto de silêncio fugidio

(mais nada)

ah de víboras e asas

vou compor meu mel

para comer com o pão desta vida

a brasa..

 

 

Este é teu corpo

Este é teu corpo magro moreno

alegre e tenso

O que nele se ausculta

é frêmito e tempo

O gosto da cor espanta

porque nela o mundo é chama

dança

porque nela o tempo descansa

Este é teu corpo

e tuas mãos úmidas como as telhas

tuas mãos parecem de barro

e o barro parece que canta.

 

 

Poeta perdendo a prece

Que poderá o poema nesta noite pouca

em que muito frágil e antiga

tento em vão cobrir-me com uma túnica?

Que poderá o poema contra o frio

contra a nudez batendo sobre as coisas

e minha cara refletida sobre o vidro?

Que poderá ainda

contra o rigor habitual dos edifícios

contra pequenos hospícios e misérias

Que poderá contra meu ódio

contra minha inveja

e a manhã que virá com luz fortíssima?