Verbete organizado
por:

Constância Lima Duarte

 



Emília Freitas


Vida:

 

Emília Freitas nasceu em Aracati (CE), em 11 de janeiro de 1855, filha do Tenente Coronel Antônio José de Freitas e de Maria de Jesus Freitas. Com o falecimento do pai, em 1869, a família se transferiu para Fortaleza, onde a menina Emília pôde estudar francês, inglês, geografia e aritmética, numa conceituada escola particular e, mais tarde, freqüentar a Escola Normal.

Desde 1873, Emília Freitas colaborava em diversos jornais literários, como Libertador, Cearense, O Lyrio e A Brisa, de Fortaleza, e o Amazonas Commercial e Revolução, de Belém do Pará. Muitas das poesias então publicadas foram depois reunidas no volume intitulado Canções do Lar (1891) e que trazia uma curiosa introdução dirigida "Aos censores".

Em 1892, após a morte da mãe, mudou-se para Manaus em companhia de um irmão, onde exerceu o magistério no Instituto Benjamin Constant, destinado à instrução primária e secundária de meninos. Em 1900, casou-se e retornou ao Ceará com o marido, o jornalista Antônio Vieira, redator do Jornal de Fortaleza.

Antes, em Fortaleza, havia participado ativamente da "Sociedade das Cearenses Libertadoras", de caráter abolicionista. Na sessão solene de instalação dessa Sociedade, inclusive, em 1883, Emília Freitas ocupou a tribuna com um vibrante discurso que foi muito aplaudido, segundo notícias encontradas em jornais. Apesar de ser uma escritora respeitada nos meios literários da cidade, ela inicia o discurso justificando a ousadia de falar em público, que, no seu caso, (e no de outras intelectuais da época) soa como uma formalidade necessária para justificar o rompimento dos padrões sociais de comportamento, então estabelecidos para as mulheres.

Antes de manifestar as minhas idéias, peço desculpa à ilustre Sociedade Cearense Libertadora para aquela que, sem títulos ou conhecimentos que a recomendem, vem felicitá-la pela primeira vitória alcançada na ditosa vila do Acarape.

Depois imploro ainda permissão para, à sombra de sua imortal bandeira, aliar os meus esforços aos dessas distintas e humanitárias senhoras, oferecendo-lhes com sinceridade os únicos meios de que disponho: os meus serviços e minha pena que, sem ser hábil, é em compensação guiada pelo poder da vontade. [......]

As flores de nossos prados querem expulsar de seu solo esse monstro detestável [a escravidão] que em nossa pátria querida infamava e enegrecia as risonhas cenas da natureza! [......]

Seja o prêmio de nossos esforços, vermos em breve os nossos caros patrícios voltarem do campo da ação, coroados de louros, agitando triunfantes o pendão da Liberdade!

Em 1899, a escritora publicou seu principal livro, A Rainha do Ignoto, a que deu o curioso subtítulo de "romance psicológico". Tal subtítulo, com certeza se impôs pelo fato da autora ter consciência das novidades que ele continha e que o distinguia dos demais de seu tempo. Trata-se, no caso, de uma trama novelesca absolutamente inusitada, com ousados traços ficcionais, que deve ser considerada entre as pioneiras do gênero fantástico, no Brasil. A dedicatória, inclusive, pode ser lida quase como uma profissão de fé e de modernidade para a época, além de conter algumas indicações da opinião da autora acerca dos escritores contemporâneos e da consciência autoral da originalidade de seu trabalho.

[......] Meu livro não tem padrinho, assim como não teve molde. Tem a feição que lhe é própria, sem atavios emprestados do pedantismo charlatão. Não é, tampouco, o conjunto das impressões recebidas nos salões, nos jardins, nos teatros e nas ruas das grandes cidades, porque foi escrito na solidão absoluta das margens do Rio Negro, entre paredes desguarnecidas duma escola de subúrbio. É, antes, a cogitação íntima dum espírito observador e concentrado que (dentro dos limites de sua ignorância) procurou numa coleção de fatos triviais estudar a alma da mulher, sempre sensível e muitas vezes fantasiosa. [......].

Emília Freitas consegue com muita habilidade acomodar o fantástico num plano de regionalidade, e faz em seu romance uma série de incursões pelo imaginário, do palpável ao mais inverossímil. Utilizando-se de técnicas narrativas bem modernas para a época, o clima fantástico se instaura no enredo e assume, naturalmente, o predomínio da atmosfera, ora com ingredientes de um fantástico medievo, ora lembrando narrativas inglesas de terror, transportando magicamente o leitor e a leitora de um para o outro extremo, até o final, surpreendente.

Em 18 de outubro de 1908, Emília Freitas faleceu em Manaus, para onde havia retornado após a morte do marido.