No Lago Asfaltite
Tive um sonho extraordinário.
Era no lago Asfaltite.
Eu boiava sobre as
águas salitrosas e pesadas, sentindo adormentar-se a minha
antiga dor, com o balouço cadenciado das vaga cor de aço.
Por sobre mim desenrolava-se
o céu sereno e fundo, pontuado de lívidas estrelas,
entre as quais fulgia a lua pensativa, como um estreito alfanje
reluzente.
Estendida ia eu indo
águas afora, a relembrar os meus sonhos falecidos, e boiava
sobre o mar triste e pestífero, sem rumo, sem esperanças,
sem consolo.
De repente, junto a
mim estendeu-se uma figura, e mais outra, e mais outra... e mais
outra, e por toda a parte vi boiando centenares de fantasmas,
como corpos embalsamados de entes estremecidos chorados com dor
profunda, perdidos com intensa mágoa.
Um silêncio aterrador
amortalhava a atmosfera, e os fantasmas, a boiarem, entoaram um
canto triste. Salmos de defuntos, estrofes de sonâmbulos.
E eu de olhos fechados
ia indo águas afora, embalada por aquele estranho coro
que me falava de agonias mortuárias, de angústias
agudíssimas.
Uma opressão
singular esmagava-me o peito, e eu, abrindo os olhos, vi com espanto
e horror uma nuvem cor de chumbo, muito densa, descendo sobre
o mar e envolvendo toda a natureza nas suas dobras sepulcrais.
Um vento frio e cortante,
como lâminas de facas, era arrojado sobre as águas
pelo ventre negro e bojudo da feia nuvem pavorosa.
Os fantasmas, soluçando
hinos de morte, cortaram o ar gelado e sumiram-se na escuridão.
Quis fugir, e cheia
de medo ia afundar-me nas vagas solitárias, quando dos
abismos do triste e horrendo mar vi subindo uma camada de lodo
espesso e nauseante, cheio de visgo, cheio de betume.
Subia sorrateiro, avassalando
todo o mar estendendo-se lentamente num marulho sinistro e tétrico,
e mais subia o lodo e mais descia a nuvem, a confundirem-se num
abraço monstruoso, titânico, num consórcio
inconcebível.
Senti passar então
todos os frêmitos dos cataclismos em convulsões histéricas
Olhei em roda: monstros
pavorosos surgiam do negro lodo, e atiravam-se sobre mim.
Não hesitei.
Afundei-me pelo mar adentro, e rasguei o peito nas arestas agudas
dos rochedos Ai! Que dor atroz! O sangue escorria-me quente das
feridas, tingindo as camadas superiores de uma crua cor vermelha.
Os monstros mais excitados
pelo acre cheiro da carne esfacelada, disputavam-me aos pedaços,
dilacerando-me as entranhas, mordendo com os dentes pontiagudos
o meu cérebro enlouquecido; e quando o mais feroz, a uivar
sinistramente, ia trincar-me o triste coração, abriu
se uma nesga no céu, radiante luminosa, atapetada de orações
e divisei ao fundo a simples e santa cruz de Cristo.
Acordei horrorizada,
com o sol a beijar-me as brancas franjas de colcha do meu leito,
e compreendi que o meu sonho era verdadeiro.
Sim esta vida é
amarga e pesada como o plúmbeo lago Asfaltite; cheio de
ilusões, brancos fantasmas, que transformam em tristes
realidades pavorosas, como os monstros que me queriam devorar;
de falsas amizades que nos rasgam as crenças, como pontas
de rochedos aguçados; de calúnias que nos congelam
a alma, como o vento que se desprendia do bojo da sinistra e negra
nuvem, símbolo da maldade humana, que nos oprime a vida
e nos precipita para a onda de lodo, a triste ingratidão
dos homens. Só a fé, no meio desta catástrofe
do desolado sentimento, nos pode salvar: a fé ou a resignação,
simbolizada na sacrossanta e bendita cruz do Salvador.
Coração
do mar
Ao Dr. Göran Björkman
(poeta sueco)
Deserta a praia está!
Do mar o vagalhão
estoura além,
na fraga, e ruge enfurecido,
de espumas salpicando
um velho torreão,
musguento, abandonado,
em névoas envolvido.
Que dor te fere, ó
mar?!...Acaso o coração
que pulsa dentro em
ti, em iras sacudido,
retesa-se fremente,
ao ver o atroz grilhão
que ao leito te acorrenta
amargo e desabrido?
Ai! não!... choras,
salino eterno, as agonias
da terra lacerada, e
quando te arrepias
o nobre dorso erguendo,
em convulsivo anseio,
É que o desejo
tens — da triste humanidade —
as dores mergulhar na
tua imensidade,
na treva glacial do
teu fecundo seio.
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