Excertos
CANCROS SOCIAIS
ATO II
Cena X
Eugênio e o
Barão
BARÃO - Se
este homem não fosse a personificação da
estupidez, sê-lo-ia da
fatuidade e do ridículo! Vou contar-te o que ele me comunicou
esta manhã; prepara-te para rir... Mas, o que tens? Estás
com a fisionomia tão transtornada!
EUGÊNIO - Estou
perdido, Barão!
BARÃO - Perdido!
O que te aconteceu?
EUGÊNIO - Minha
mãe está nesta casa.
BARÃO (assombrado)
- Tua mãe!! Como o sabes?... Quem a trouxe?...
EUGÊNIO - Deus,
ou a Fatalidade!... É a escrava que libertei esta manhã.
BARÃO - O
que dizes?! (Encara-o e pega-lhe na mão.) Estás
sob a influência de um acesso febril... Vem para a sala
distrair-te.
EUGÊNIO - Não
tenho febre, nem delírio. É minha mãe. Conheci-a,
no momento em que fui por ela reconhecido. E... repeli-a!... reneguei-a!...
BARÃO - À
tua mãe?!...
EUGÊNIO - Foi
uma indignidade... um crime! bem o sei! Fiquei impassível
ante a dolorosa agonia desse coração que voava para
mim... fiz mais: minha mulher, minha filha, amigos, esse Forbes,
tinham todos as vistas sobre mim; temi uma revelação
humilhante, e... confundi-a entre os meus criados... Oh! sou um
filho indigno!... um ingrato!...
BARÃO (sentido)
- Não esperava de ti semelhante proceder!
EUGÊNIO - E
a desonra que sobre mim pesaria, se soubessem que sou filho de
uma escrava?! Que fui... cativo! eu?... (Desesperado.)
Oh!...
BARÃO - Conta-me
como se passou esse caso. (Assenta-se.)
EUGÊNIO - Antônio
Forbes estava presente quando nos reconhecemos, e a nossa comoção,
sem dúvida, lhe denunciou a verdade. Não sei se
ele também me reconheceu; só sei que está
senhor do meu funesto segredo, e que pretende tirar dele todo
o partido possível.
BARÃO - Que
desgraçada ocorrência!
EUGÊNIO - E,
como se não bastasse o horror do sucesso que me acabrunha,
vem ainda uma terrível circunstância complicar mais
a minha situação! Paulina é filha do primeiro
senhor de... Marta!
BARÃO (ergue-se.)
- É possível?!
EUGÊNIO - Marta
e seu filho foram os objetos que ocasionaram a ruína do
infeliz Torres!
BARÃO - O
que estás a dizer, Eugênio!
EUGÊNIO - A
verdade, autorizada pelas informações de Antônio
Forbes, as quais coincidem com as poucas reminiscências
que eu conservo do passado.
BARÃO (consternado.)
- A ser assim, é uma horrível desgraça! (Assenta-se;
Eugênio passeia tristemente.) Quem sabe se não
és vítima de alguma especulação dessas
criaturas, que guiadas por algum indício da verdade...
EUGÊNIO (meneia
tristemente a cabeça.) - Marta não fingiu. O
brado que soltou, quando me reconheceu, só podia sair da
alma de uma mãe!
BARÃO (ergue-se.)
- E se ambos se houvessem enganado? Se uma fortuita semelhança...
Olha que se joga uma tremenda partida sobre o teu destino!
EUGÊNIO - Não
nos enganamos; o coração m’o diz.
BARÃO - Então,
repito, é uma grande desgraça!
EUGÊNIO - Do
que serve, pois, ter-me elevado a esse pedestal, erigido pela
consideração social, se um imprevisto revés
da sorte me vai dele fulminar! Oh!... Deus não é
justo!
BARÃO (severo.)
- Também descrente?!
EUGÊNIO - Barão!...
BARÃO - Entendes
que para a felicidade do homem basta-lhe só sacrificar
ao seu egoísmo e aos preconceitos do mundo, os seus mais
sagrados deveres? Enganas-te; é preciso, antes de tudo,
o temor de Deus, e fé na sua bondade! Duvidas da sua justiça?
Desvia os olhos das paixões mundanas que te toldam o espírito,
e vê-las-ás pairar sobre a tua própria cabeça!
EUGÊNIO (tristemente.)
- Se conhecesse a força do golpe que me abate!...
BARÃO - E
não me fere ele também na afeição
que te consagro? Sabes se te estimo; com a liberdade que te dei,
adquiriste um pai, ao qual, tornaste mais suportável a
solidão de uma vida sem afetos e sem laços de família.
Não quero ouvir-te blasfemar, juntando à fraqueza
de ânimo a impiedade do coração!
EUGÊNIO - Perdão,
meu bom pai!
BARÃO - Porém...
(Assentam-se.) Como é crível que não
tenhas reconhecido no retrato de teu sogro, o homem em cuja casa
nasceste?
EUGÊNIO - Não
tenho a menor idéia de suas feições, assim
como não me recordo de ter nunca visto esse Forbes, que,
segundo o seu dizer, foi quem mandou o infeliz filho de Marta
para o Rio de Janeiro.
BARÃO - E
que provas tem esse homem?...
EUGÊNIO - Um
papel de... compra! Documento assaz valioso, que o torna senhor
da minha felicidade e da minha honra!
BARÃO - Da
tua honra, não! Se nasceste escravo, não deixas
por isso de ser honrado. Não é a condição
que desonra o homem, são os seus próprios atos!
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