


Verbete organizado
por:
Lúcia
Leiro
|
Myriam Fraga |
|

Textos:
|
A casa
Pedra sobre pedra
Construí esta casa:
Tijolo, sonho e argila.
Custaram-me os alicerces
A metade da asa
Direita,
A outra metade,
Serviu de escora
Às traves que a sustentaram.
A asa esquerda perdeu-se
Na argamassa.
Esta casa, para fazer,
Levou-me anos
De solidão e fomes
Aplacadas.
Uma casa tão clara,
Aberta aos ventos,
E a cada dia sempre
Renovada.
Aqui plantei minha vida,
Nos esquadros
E soleira das portas.
Ancoradouro e barco,
Minha casa.
Daqui se ouvia o mar
E o canto das sereias,
Se nostálgico das janelas
O olhar se alongava.
Mas o perfume do incenso
Rolava nos altares, deuses lares,
E eu ficava e fui sempre
A guardiã da casa.
Pássaro do abismo,
Mensageiro da desgraça,
Meus olhos marinheiros
Pressentiram o desastre.
Ventos do sul sopraram
Sobre a casa. Marés de março
Enormes, com suas vagas,
Submergiram e arrasaram
Da soleira aos telhados.
Olho de furacão,
Espiral de sargaços,
Conheci o sumidouro,
A fúria da voragem.
Sobrevivente do escarcéu
Hoje, náufraga, na casa,
Sei que as paredes permanecem
Intactas, com suas marcas, e novamente,
aos poucos,
Com meus dedos quebrados,
Vou recompondo lentamente
A cumeeira arrasada.
=============================
A esfinge
Revesti-me de mistério
Por ser frágil,
Pois bem sei que decifrar-me
É destruir-me.
No fundo não me importa
O enigma que proponho.
Por ser mulher e pássaro
E leoa,
Tendo forjado em aço
Minhas garras,
É que se espantam
E se apavoram.
Não me exalto.
Sei que virá o dia das respostas
E profetizo-me clara e desarmada.
E por saber que a morte
É a última chave,
Advinho-me nas vítimas
Que estraçalho.
(FRAGA, Myriam,FEMINA, Salvador:
Fundação Casa de Jorge Amado/Copene, 1996.)
|
|