Verbete organizado
por:

Anselmo Peres Alós

 



Zeli de Oliveira Barbosa 

 

Vida:

                Em 1960 foi publicado o livro Quarto de despejo: diário de uma favelada, de Carolina Maria de Jesus, sucesso editorial que em pouco tempo alcançou o público estrangeiro, sendo traduzido para mais de dez idiomas. Na mesma época, em Porto Alegre, mais especificamente na favela da Ilhota, Zeli de Oliveira Barbosa, sem qualquer conhecimento dos escritos de Carolina de Jesus, também passava por imensas dificuldades e, alguns anos mais tarde, registraria suas memórias no papel.

 

                Zeli é a segunda voz que desponta da Ilhota que se faz escutar pela metrópole; a primeira nasceu em 1914 e tornou-se conhecida por cantar a boêmia da cidade. Essa voz, pertencente a um compositor hoje conhecido por todo o país, atende pelo nome de Lupicínio Rodrigues. Mas, ao contrário da dor-de-cotovelo cantada nos versos do saudoso Lupi, o texto de Zeli toma a forma de uma autobiografia, na qual se mesclam o inusitado, o grotesco e o humano, retratando um cenário porto-alegrense pouco conhecido pela classe média.

 

                Através de uma linguagem que segue a (não)linearidade dos próprios pensamentos, Zeli possui um estilo entrecortado, coloquial e fluido, onde idéias e impressões são intercaladas de forma a relatar a violência, os casos inusitados e as dificuldades pelas quais passou na favela da Ilhota. Suas considerações refletem a ética da favela, a precariedade da saúde e as dificuldades sofridas para concretizar a educação dos filhos, apontando uma narradora em constante embate com o meio no qual vive. E, tal como Lupicínio Rodrigues em suas composições, Zeli consegue, de uma maneira inacreditável, extrair da favela aquele lirismo bandido, já mencionado por Paulo Pontes e Chico Buarque como “um certo gosto pela própria marginalidade[1]”.  



[1] BUARQUE, Chico & PONTES, Paulo. “Apresentação”. In: Gota d’água. 4 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976. pp.XI-XX. (Teatro Hoje).