Verbete organizado
por:

Eliane Vasconcellos

 



Violante Bivar 

 

Textos:

              

 A mulher[1]

 

            Se a mulher não fora dotada das mesmas faculdades que o homem possui; se ela não fora sua igual em tudo, por certo que a escravidão seria o estado normal das sociedades modernas, como o foi das antigas. Nesses tempos bárbaros que já lá vão, a mulher era considerada como uma cousa, como um meio de estender os gozos sensuais do homem. A mulher portanto era considerada em relação à matéria, e nada mais.

            Lançai os olhos ao passado; revolvei essas crônicas feudais, envoltas no pó do esquecimento e do desprezo, e lá vereis provada a nossa asserção.

            Que valiam beleza, carinho, virtudes?

            Nada.

            O destino da mulher encerrava-se todo no quero absoluto dos senhores poderosos, soberbos e estúpidos.

            Se lhe peavam a alma?

            Enquanto a mulher não conquistou o lugar elevado que Deus lhe destinou no mundo, os povos mereceriam sempre o epíteto de bárbaros. E com razão. A educação dos filhos, esse exclusivo da mulher, era-lhe só confiado sob as vistas do senhor dela e dos filhos.

            A mulher saiu do lodaçal imundo, onde vivia desterrada; e livre do cativeiro que a degradava, assumiu todos os direitos que o Eterno lhe gravou n’alma.

            A mulher dos tempos modernos, recebeu do cristianismo toda a força que a torna grande, e onde a mulher ocupa o seu lugar, daí foge a escravidão.

            Com essa forte alavanca, chamada ¾ amor, as mulheres fazem quanto querem dos homens. Cumpre-lhes pois, a elas ensinarem-lhes a estrada da felicidade, dessa felicidade passageira que neste mundo se pode gozar.

            Maldição sobre toda a mulher que se servir do seu poder para fins diversos. Execração eterna sobre aquela que se degradar da missão sublime que o Eterno lhe confiará.

            A sociedade sem as mulheres não pode ser agradável, antes pelo contrário causa tédio, enfastia. E as mulheres, destituídas de espírito, ou dessa graça de conversação que revela ao mesmo tempo ¾ uma educação distinta e uma superioridade de talento, estragam a sociedade em vez de a embelezarem. Os seus discursos e a sua linguagem acentuadas com o timbre de uma alegria insípida afugentam delas todos os homens verdadeiramente superiores e de bom gosto. As reuniões aonde aparecem tais mulheres, só afluirão mancebos que não têm nada que fazer.

            Mas como o talento para poder exercer o seu benéfico ascendente é mister que se manifeste, a mulher de gênio raras vezes é feliz, não devendo nunca desanimar.

            Em geral o público está penetrado da idéia, até certo ponto verdadeira, que as mulheres devem de consagrar-se todas à aquisição e à prática das virtudes domésticas.

            Embora. A mulher deve sempre cultivar o seu espírito, e quando a opinião pública lhe for desfavorável, não desprezá-la que é impossível, mas amainá-la por meio do desenvolvimento progressivo das faculdades intelectuais, porque os prazeres do estudo são, talvez, os únicos que lhe enchem completamente a alma.

            É nos países livres como o nosso, que a mulher deve de atender muito ao seu modo de comportar. Com o trato feminil o homem substitui ao sombrio do olhar e à aspereza das ações a meiguice e a brandura que a mulher lhe infunde.

            O sexo feminino exerce um ascendente imenso sobre os homens. Mas para isso é mister que as mulheres reúnam em si um complexo de virtudes.

            Todos os séculos vêm marcados com um sinal particular que os caracteriza. Este em que vivemos veio selado com o cunho da amenidade, da pureza de linguagem, da conveniência, de maneiras, da civilização, enfim.

            Quem adoçará os costumes um tanto ferozes, as maneiras menos polidas que os homens do século XVIII legaram aos homens do século XIX? Quem, senão as mulheres?...

            No seio da família, na vida íntima, não precisa a mulher para fazer valer os respeitos que se lhe devem, senão de ser modesta e simples: não assim no grande mundo. Aí carece de mais alguma coisa.

            A mulher não deve desanimar, a mulher que tanta coragem e valor sabe sustentar quando se trata de vencer dificuldades.

            Seja sempre perseverante. Haverá talvez quem diga que os homens esquecem de ordinário os respeitos devidos às mulheres de gênio, é um absurdo.

            Seria isso uma contradição palpável do espírito humano, um contra-senso impossível de realizar-se.

            Mesmo quando o espírito de rivalidade sobe ao ponto do delírio, a mulher de talento sempre captura a admiração de todos que a tratarem em qualquer circunstância da sua vida.

            E o fundo do respeito e da homenagem, esse nunca lho recusaram: seria o mesmo que prescrever a própria alma a determinação gratuita de fugir como hediondo aquilo de que ela está convencida ser verdadeira beleza.

            Bem quisera continuar a escrever porque só quando escrevo à mulher é que reputo verdadeira, a frase que por aí anda nessas publicações da moda ¾ os jornais ¾ que a missão do escritor é sublime. ¾ Sublime e bem sublime é ela, mas é que, infelizmente, esses mesmos que apregoam e a miúdo esta verdade eterna, são os que a olvidam mais vezes.

 

 

 


 



[1] Ibidem, Rio de janeiro, 30 nov., 7 e 14 dez. 1873.